domingo, 1 de julho de 2012

A apostasia que começou em Roma e aflora hoje pelo movimento neopentecostal



Nunca foi fácil ser cristão. A igreja "primitiva", assim chamada, foi perseguida primeiro pelos judeus e depois pelos romanos. Homens, mulheres, crianças, jovens e velhos que confessavam Jesus Cristo como Senhor eram - literalmente - jogados aos leões nas arenas romanas, ou despedaçados por gladiadores treinados, ou queimados vivos para iluminar os jardins imperiais à noite, ou crucificados. Quando Constantino, a partir de 313 d.C., "legalizou" o Cristianismo no Império Romano, os cristãos poderiam pensar que as coisas ficariam mais fáceis. Mas não ficaram. Infelizmente o Império Romano não foi "cristianizado", mas ocorreu exatamente o contrário: o Cristianismo passou a sofrer um processo de romanização. Multidões de pagãos entravam na Igreja diariamente, trazendo consigo suas antigas práticas, crenças e doutrinas religiosas, num sincretismo incontrolável. Quando o Império Romano do ocidente cai, a partir de 476, após várias invasões bárbaras, o caos político e social acelera o processo de erosão da sã doutrina bíblica nas fileiras da Igreja. A Europa mergulha então na longa noite medieval, quando a Bíblia foi praticamente ocultada do povo "cristão". [1] Nascia então a Igreja Católica Apostólica Romana.


Após séculos de ignorância e medo, o domínio do terror católico-romano foi finalmente quebrado - embora parcialmente - pela luz da Reforma Protestante. Deus levantou homens como Martinho Lutero, Ulrich Zwinglio, João Calvino e John Knox, entre outros, para devolver a Bíblia ao povo e libertar os verdadeiros cristãos do jugo romanista e das garras da ignorância, da idolatria e da heresia. Mais uma vez a sã doutrina bíblica foi pregada e ensinada. Homens e mulheres morreram por ela, mártires da Reforma, queimados em praça pública pelos romanistas (ou afogados, ou enforcados, ou empalados, etc - os inquisidores eram muito criativos). Muitos pagaram com o próprio sangue pela sua profissão de fé em Jesus Cristo. Mas "o sangue dos mártires é a semente da Igreja", como disse Tertuliano no século II, e nos séculos subsequentes não foi diferente. Apesar da feroz oposição, a obra dos reformadores triunfou e perdurou. Tempos depois, da Inglaterra protestante levas de refugiados - puritanos, quakers, congregacionais e outros - cruzariam o Atlântico rumo ao Novo Mundo. E mais tarde, da América do Norte, missionários protestantes rumariam para as Américas Central e do Sul. E assim o Evangelho chegou ao Brasil católico, principalmente a partir do século XIX e início do século XX.
Aqui, em solo tupiniquim, os primeiros protestantes enfrentaram, obviamente, inúmeras dificuldades. Não somente a cultura, o idioma e o clima eram diferentes, mas a ameaça real dos romanistas fez-se sentir, em sua luta implacável para impedir a circulação da Bíblia em território nacional.[2] No entanto, o tempo passou, o protestantismo, a muito custo, pôde ser instalado no Brasil e na América Latina, criou raízes, cresceu e desenvolveu-se. A princípio amparado e dirigido por líderes estrangeiros, pouco a pouco obteve também a sua "independência", pelo menos parcialmente, à medida que líderes nativos começavam a surgir nas diferentes denominações. Sempre em meio a muita luta. Sempre enfrentando dificuldades severas, principalmente de ordem econômica e social. E sempre sob ataque constante do catolicismo romano e sua idolatria, seu desdém pela Bíblia e seu desejo insaciável de poder.
Sim, o tempo passou. A fé evangélica floresceu. Cresceu. Desenvolveu-se. As igrejas espalharam-se pelo país, crescendo num ritmo cada vez mais acelerado, especialmente a partir de meados do século XX. Mais ou menos a partir dessa época a "maré pentecostal" tomou fôlego e passou a dominar o cenário evangélico brasileiro. Como uma última "onda" dessa "maré", surgiram as igrejas neopentecostais. E na década de 1970 tais "igrejas" começaram a estabelecer sua teologia - a "teologia da prosperidade" - receita de sucesso para os espertalhões religiosos.
A teologia da prosperidade é uma invenção norte-americana. Surgida nos primórdios do século XX nos Estados Unidos, foi mais tarde utilizada no Brasil para alavancar o crescimento de verdadeiros impérios financeiros, construídos sobre a ignorância e a credulidade de multidões de "fiéis" que, hipnotizados por tais ideias, sonham com um deus que lhes dê riquezas, bem-estar e saúde - enfim, um paraíso na Terra. Para obter tais promessas, não hesitam em seguir cegamente seus líderes, dando a eles o fruto de seu trabalho (quantias não insignificantes de dinheiro), sem perceber que estão sendo extorquidos. Nas igrejas neopentecostais, o culto é um show. Usa-se a Bíblia a fim de utilizar versículos esparsos, sempre fora de seus respectivos contextos, a fim de iludir os frequentadores dos templos e os telespectadores (a maioria dessas "igrejas" desfruta de grande espaço na TV) com promessas falsas de uma prosperidade que nunca chega na vida real (exceto, é claro, nos "testemunhos" de "crentes fiéis" que são veiculados nos programas televisivos de tais igrejas, mostrando os entrevistados quase sempre a bordo de modernos carros importados, em garagens de mansões luxuosas. Acredite quem quiser...). E assim uns poucos enriquecem a olhos vistos ao custo do suor e da credulidade de muitos.
O deus dos neopentecostais é realmente um grande negociante. Ele negocia bênçãos; dependendo do tamanho de sua oferta, será o seu retorno financeiro. Esse deus também se assemelha a uma máquina caça-níqueis: coloque a moeda (faça a sua oferta), puxe a alavanca (participe do serviço religioso, que pode incluir até mesmo uma "sessão de descarrego" ou algo parecido), e espere pelo melhor. Mas o melhor muitas vezes não chega... mas isso é pela sua falta de fé!
No Brasil, as igrejas neopentecostais tiveram seu início a partir do surgimento da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), criada por Edir Macedo, proprietário da Rede Record de televisão, bem como de um vasto império financeiro que se estende por outros países e continentes. Em 1977 Macedo declarou-se "bispo" e, incorporando elementos de outras religiões não-cristãs, deu início à IURD. Logo viriam a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, do casal Estevam e Sônia Hernandes, e a Igreja Internacional da Graça de Deus, de R. R. Soares (este, saído diretamente da IURD). Mais recentemente (1998), eclodiu a Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), gêmea e arqui-rival da IURD, capitaneada por Valdemiro Santiago, que assim como Hernandes antes dele, autoproclamou-se "apóstolo". Santiago foi bispo da IURD e "temperou" a doutrina da prosperidade pregada por Macedo com uma ênfase muito forte em curas e milagres, atraindo grande número de ex-fiéis da Universal para suas fileiras. Ele próprio, no entanto, também precisou lidar com dissidentes: em 2010, um ex-bispo da IMPD funda a Igreja Mundial Renovada, sob o lema "A glória da segunda casa será maior do que a da primeira". No mesmo ano outro dissidente da IMPD funda a sua própria denominação, a Igreja Missionária do Amor. Em 2011 mais um ex-bispo de Valdemiro Santiago deixa a IMPD para estabelecer uma igreja própria, a Igreja Evangélica Celeiro de Deus.
Hoje inimigos ferrenhos, Macedo e Santiago digladiam-se sem trégua em seus programas de TV ou nos demais veículos de informação de seus respectivos impérios. O dono da Universal apelou até para o diabo, entrevistando um "demônio" que anunciou que Valdemiro Santiago era seu títere. Também utilizou sua rede Record para veicular denúncias contra Santiago, referentes à aquisição de uma propriedade rural. O falso apóstolo respondeu jocosamente, lembrando que se tinha comprado uma fazenda, o próprio Macedo havia adquirido uma rede de TV inteira. Boatos e intrigas também surgiram em meio à guerra entre os dois rivais. A briga vai longe, certamente, pois ambos disputam a mesma fatia de mercado: pessoas crédulas e ignorantes. Muitas delas lotam tais "igrejas" por pura ignorância, certas de que estão no lugar certo e de que seus líderes são honestos. Mas outras - desconfio que a maioria, a julgar pelo país em que vivemos - estão lá porque realmente querem é prosperar e enriquecer, querem um deus que as sirva, e não um Deus a quem devem servir, seja na riqueza seja na pobreza. Querem um deus que atenda seus desejos, e estão dispostas a tudo para conseguir seus sonhos. Mas não querem um Deus soberano, que exalta a quem quer e humilha a quem quer. Essas pessoas estão realmente no lugar certo, embora jamais terão seus anseios realizados (ao contrário de seus líderes, que enriquecem à custa de sua credulidade).
Até mesmo outro líder - antes um pentecostal clássico, hoje mais um defensor da maldita teologia da prosperidade - se pronunciou bradando que Macedo e Santiago são "farinha do mesmo saco". Esse mesmo cidadão chamou de "idiotas" aqueles que se opõem à teologia da prosperidade.
Somente no Brasil homens assim podem prosperar livremente. Em qualquer país civilizado do mundo, já estariam há muito tempo atrás das grades.
Somente no Brasil, país onde a corrupção sempre prosperou no cenário político. Onde os maiores criminosos são os que infectam o nosso Congresso Federal.
Somente no Brasil, onde o povo canta "assim você me mata" e "eu quero tchu-tcha-tcha" e grita "gol!!!" enquanto é espoliado, roubado, usado e ridicularizado pelos seus governantes (que ele próprio, o povo, colocou no poder).
Somente aqui tais falsas igrejas poderiam prosperar de modo tão avassalador. Somente aqui encontram solo tão fértil (claro que sei que há igrejas neopentecostais em outros países, mas duvido que tenham no exterior o mesmo sucesso que têm no Brasil).
O povo brasileiro aceita tudo. Leva tudo "na esportiva". Acostumado a "dar um jeitinho" em cada situação, não se incomoda em ser espoliado pelos parasitas políticos - desde o vereador até o senador, desde o prefeito até o/a presidente. O que vale é a "lei de Gérson", isto é, levar vantagem em tudo - de preferência, pisando nos outros. Dizem que numa democracia, o povo tem o governo que merece. Pois o povo brasileiro realmente tem escolhido a dedo seus governantes!
Nossas estradas estão intransitáveis (com exceção, é claro, das rodovias que o governo entregou para empresas privadas, nas quais deve-se pagar pedágio para trafegar - então, pagamos impostos para quê?!). Nossos hospitais, sucateados, superlotados, falidos. Nossas escolas? Pra quê educação? Povo ignorante, povo manipulado! Professores, médicos, policiais e inúmeros outros profissionais essenciais para o crescimento saudável de um país - todos esquecidos por governantes hipócritas e corruptos. E por aí vai...
Arrastões, assaltos, assassinatos, sequestros, violência sem trégua, num país onde só falta dar uma medalha de honra aos bandidos. Num país onde basta pagar um advogado para livrar-se da cadeia, não importa o crime que se tenha praticado. Num país cujo código penal parece ter sido especialmente projetado para favorecer os criminosos e prejudicar os cidadãos honestos.
A ética e a moralidade são ridicularizadas, desprezadas e até perseguidas neste país. A imoralidade é exaltada, idolatrada, festejada. Especialmente pelos meios de comunicação. Eles "se ligam" em manipular você. Idiotizam ainda mais o povo brasileiro, já entorpecido por natureza. É o país do carnaval! É o país do futebol! É o país do futuro! É o país dos canalhas.... 
Por isso não é de se estranhar esse "Circo Gospel" no qual se transformou a maior parte da igreja "evangélica" brasileira. Os neopentecostais fazendo de tudo para destruir o verdadeiro Evangelho de Cristo, enquanto boa parte dos "cristãos sérios" emudece, pois a "turma do deixa-disso" brada bem alto: "Não podemos julgar! Não podemos julgar! Não podemos julgar!", e assim dia a dia vai-se perdendo a dignidade e a credibilidade da Igreja. Não é só ignorância. É o "jeitinho brasileiro". "Deixa a vida me levar..." deixa a vaca ir pro brejo. Igrejas de araque num país de tolos. Como nos primórdios do Cristianismo, multidões de pagãos ingressam diariamente na "Igreja", trazendo suas práticas (sua falta de ética e sua conduta imoral), suas crenças (e sua falta de caráter) e - é claro! - o seu famoso "jeitinho brasileiro" (ler a Bíblia dá muito trabalho! Tenho preguiça! Prefiro ouvir o pastô falar e ficar só "recebendo as bênça"!). Multidões que são facilmente manipuladas, extorquidas e usadas pelos profetas da prosperidade. O povo brasileiro é, em sua maioria, crédulo, e qualquer coisa que é dita pelos chefões neopentecostais é recebida sem titubeios pelos seus fiéis seguidores.
Quem disse que não podemos julgar? Ora, a Bíblia ordena que julguemos! O julgamento proibido é o julgamento insensato, sem dados, sem fatos, sem provas, sem respaldo ético e moral. Em sua ignorância bíblico-teológica e em sua ânsia por defender mercenários e espertalhões, muitos adeptos do Circo Gospel, por exemplo, empunham Mateus 7.1-5 para vociferar contra os (poucos) cristãos sérios que "ousam" levantar-se contra as aberrações neopentecostais. Os mesmos se esquecem (que conveniente, não?) de ler o versículo seguinte:
"Não deem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos; caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se para vocês, os despedaçarão" (Mateus 7.6).
Ora, se absolutamente não podemos julgar, como então poderemos nos precaver contra os cães e contra os porcos?! Como, então, cumprir essa ordem de Jesus?
Também se esquecem de ler Mateus 7.15-23:
"Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores. Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher uvas de um espinheiro, ou figos de ervas daninhas? Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos ruins. A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons. Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo. Assim, pelos seus frutos vocês os reconhecerão!
"Nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: 'Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?' Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!"
Sim, pelos seus frutos vocês os reconhecerão! Ora, portanto, o julgamento de acordo com os fatos e de acordo com a observação dos resultados das ações dos homens é não somente válido, como obrigatório para os cristãos!
A turma do "deixa-disso" (cúmplices e marionetes dos profetas da prosperidade) deveria ler mais a Bíblia, especialmente 1Coríntios 6.1-3:
"Se algum de vocês tem queixa contra outro irmão, como ousa apresentar a causa para ser julgada pelos ímpios, em vez de levá-la aos santos? Vocês não sabem que os santos hão de julgar o mundo? Se vocês hão de julgar o mundo, acaso não são capazes de julgar as causas de menor importância? Vocês não sabem que haveremos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas desta vida!" (Todo o capítulo 6 é deveras interessante).
Nunca foi fácil ser cristão! Mas nestes dias, neste país, onde o Cristianismo é ridicularizado pelos neopentecostais, e aqueles que ousam denunciá-los são atacados pelos defensores da ignorância (a turma do "deixa-disso"), está cada vez mais difícil saber quem é, de fato, cristão!
Onde estão os protestantes? Onde estão os herdeiros de Martinho Lutero, Ulrich Zwinglio, João Calvino, John Knox e tantos outros? Onde estão os herdeiros de Jonathan Edwards, J. C. Ryle, Charles Spurgeon, Arthur Pink e tantos outros? Onde estão os herdeiros dos puritanos, de Martyn Lloyd-Jones, de John Stott? Onde estão os verdadeiros crentes? Cadê os protestantes, onde estão os protestantes?!.
É hora da Igreja - a verdadeira - levantar-se, protestar contra e denunciar esse monstruoso Circo Gospel. É hora de denominações sérias, históricas, pronunciarem-se oficialmente a respeito dessas igrejas de araque, desse país de tolos (e de tolas, para ser politicamente correto).
Denuncie, irmão, denuncie! Confesse, Igreja, sua verdadeira vocação, seu verdadeiro Cristianismo, porque estamos sendo todos colocados no mesmo "saco" desse lixo neopentecostal, desse arremedo de igreja.
É tempo de erguer novamente a bandeira protestante, a bandeira da Reforma, e esclarecer ao povo deste país que o neopentecostalismo não é Cristianismo, que essas igrejas não são igrejas cristãs verdadeiras, e que esses profetas da prosperidade não são verdadeiros homens de Deus.
Que o Senhor tenha misericórdia de Sua Igreja e deste país. 

NOTAS
[1] Certamente estou ciente de que a chamada "Idade Média" não foi uma era de obscurantismo total e de "trevas absolutas". Houve criação artística e científica, e progresso em inúmeras áreas do conhecimento humano. De fato, sem uma "Idade Média" não teríamos um Renascimento, mais tarde. Mas refiro-me, aqui, às trevas espirituais que cobriram a maior parte desse período histórico, dominado por uma Igreja tirânica e ignorante.
[2] Cf. CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja Cristã. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 366.

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