terça-feira, 26 de junho de 2012

[Controvérsia 4/6]


Eu fui convencido acerca da verdade da teologia reformada enquanto estudava no Dallas Theological Seminary [Seminário Teológico de Dallas] — a instituição baluarte da teologia dispensacionalista. Alguns dos meus colegas me acusavam de ser um apóstata quando descobriram que eu tinha rejeitado o dispensacionalismo. Tendo vestido meu novo uniforme de calvinista-de-cinco-pontos, eu assumi uma postura que era arrogante e condescendente para com aqueles que permaneciam comprometidos com o dispensacionalismo. A zombaria se tornou uma arma essencial no meu arsenal. Quando cheguei ao Reformed Theological Seminary [Seminário Teológico Reformado], pousei bem no meio de debates entre alunos sobre tópicos que não eram familiares a mim — debates sobre teonomia, metodologia apologética, e mais — e não eram frequentes em Dallas. Eu não era capaz de contribuir muito a essas discussões, mas continuei minha zombaria dos dispensacionalistas.

Eu estava naquilo que Michael Horton chama de a “fase da jaula” — aquele período durante o qual um novo convertido à teologia reformada deveria ser trancado em uma jaula para seu próprio bem e o bem daqueles que estão próximos a ele. Durante a fase da jaula, o recém convertido à teologia reformada está frequentemente zangado pelo fato de as doutrinas da graça não lhe terem sido ensinadas mais cedo. Ele pode ser particularmente rancoroso contra a tradição da qual ele veio, e ai daqueles que permanecem naquela tradição (quer seja o dispensacionalismo ou outra qualquer). Eles são frequentemente vistos como intelectualmente inferiores por não serem capazes de ver a plena verdade das Escrituras que o gênio calvinista vê. Eles se tornam objeto de piadas e alvo de sarcasmo e escárnio. O nível de arrogância e orgulho a que alguém pode chegar durante a fase da jaula é surpreendente demais para se compreender e feio demais para se observar.
Eu não sei se John Newton passou por algo comparável à “fase da jaula” após ir a Cristo. O que eu sei é que a sua carta “Sobre a Controvérsia” me ajudou a ver o que eu vinha fazendo. Newton escreveu essa carta para um colega pastor que estava planejando empunhar a caneta contra outro pastor o qual ele acreditava estar em erro. Às vezes isso é necessário, mas Newton oferece alguns conselhos sábios sobre como fazê-lo. Em sua carta, ele aconselha seu amigo a pensar acerca de três coisas: seu adversário, seu público e ele mesmo. Neste artigo, nós consideraremos como devemos pensar sobre nosso adversário em uma controvérsia.
Newton inicia esta seção de sua carta com alguns conselhos muito sábios. Ele escreve:
Quanto ao seu adversário, eu desejo que antes que você pouse sua caneta no papel contra ele, e durante todo o tempo em que você estiver preparando sua resposta, você o entregue, pela mais sincera oração, ao ensino e à bênção de Deus. Esta prática terá uma tendência direta de apaziguar seu coração para ter amor e compaixão por ele; e tal disposição terá uma boa influência em cada página que você escrever.
Você já pensou em orar por aqueles com os quais você entrou em algum tipo de controvérsia? Parece óbvio, mas nós tendemos a nos envolver tanto no calor da batalha que facilmente nos esquecemos de fazer isso. Nós enxergamos nosso adversário teológico da mesma maneira que um soldado enxerga um combatente inimigo — como alguém que deve ser destruído antes que ele nos destrua. Assim, o debate teológico em círculos calvinistas às vezes se perverte e torna-se o equivalente verbal da Luta Livre. Se nós orássemos por aqueles com os quais entramos em controvérsia, seríamos menos inclinados a agir com ódio e malícia para com eles.
Newton então explica que nós precisamos considerar se nosso adversário em controvérsia é um crente ou não.
Se você o considera um crente, apesar de muito enganado no assunto do debate entre vocês, as palavras de Davi para Joabe a respeito de Absalão são muito aplicáveis: “Tratai-o com brandura por amor de mim.” O Senhor o ama e é paciente com ele; portanto, você não deve desprezá-lo nem tratá-lo cruelmente. O Senhor é paciente com você da mesma forma, e espera que você demonstre sensibilidade para com outros, mediante a consciência do quanto você mesmo necessita de perdão. Em breve, vocês se encontrarão no céu; ele então será mais querido a você do que o amigo mais próximo que você tem hoje na terra. Antecipe este período em seus pensamentos; e a despeito de você achar necessário se opor a seus erros, veja-o pessoalmente como uma alma da mesma família, com a qual você será feliz em Cristo eternamente.
Com que frequência nós esquecemos isso. Com que frequência nos esquecemos de tratar irmãos em Cristo como irmãos em Cristo — aqueles a quem o Pai ama e com os quais iremos compartilhar a eternidade no novo céu e a nova terra.
Por outro lado, se nós vemos nosso oponente como um incrédulo, devemos nos lembrar de que “prosseguimos apenas pela graça de Deus”. Deus poderia ter aberto os olhos dele ao invés dos nossos. Devemos permanecer humildes. Devemos lembrar que nós também estávamos alienados de Deus. Nós também éramos inimigos do Senhor. Nossa oração nesse caso deveria ser por sua conversão, e nós devemos ter cuidado para que não façamos nada que coloque uma pedra de tropeço desnecessária em seu caminho. Nós deveríamos falar ou agir na esperança de que nossas palavras serão usadas por Deus para trazer essa pessoa à fé e ao arrependimento.
A carta de Newton nos encoraja a tratar nossos adversários em controvérsia como nós desejaríamos ser tratados, e, se há uma coisa que todos nós detestamos, é sermos mal interpretados ou ultrajados. Nós devemos, portanto, empenhar todo esforço para interpretar com precisão os pontos de vista de nossos adversários. Embora Newton não lide explicitamente com essa questão, ela está implícita em suas palavras.
O nono mandamento nos proíbe de causar dano ao nosso próximo através de mentiras (Êx 20.16). Aqueles que seguem a Cristo não devem dar falso testemunho contra outras pessoas — sejam adversários teológicos ou não (Êx 23.1, 7; Lv. 19.11,14,16). Mal interpretar a posição de um oponente no meio de uma controvérsia teológica é ultrajar aquela pessoa, e ultraje é um exemplo do uso maligno de palavras e linguagem (Tg 4.11).
Mal interpretar os pontos de vista daqueles de quem discordamos não é apenas desonesto, mas sem sentido. Nós devemos esforçar-nos para interpretar os pontos de vista de nossos adversários honestamente. Surrar um espantalho é um exercício sem sentido e nos faz parecer tolos no processo. Uma pessoa não pode convencer um adversário do erro de seu ponto de vista se estiver argumentando contra um ponto de vista que o seu oponente não defende.
Esforcemo-nos, portanto, para lembrarmo-nos de nosso adversário na controvérsia. Lembremo-nos de orar por ele, de lidar com ele gentilmente, e de lidar com ele com os mais altos padrões de honestidade.
Por Keith Mathison © Ligonier Ministries. Website: Ligonier.org

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